sábado, junho 19, 2021

 O AMOR DE LONGA DATA E O AMOR IMPOSSÍVEL

Num domingo de uma manhã em que estávamos no sítio, bem cedo, acordo com meus pais em uma de suas costumeiras discussões. Com a idade, os dois ficaram ranzinzas e conseguiam discutir por coisas sem nenhuma relevância. Ficavam bravos mas, dali a pouco, lá estavam os dois juntos assistindo TV, de mãos dadas.
Agora, discutirem às seis horas da madrugada, num domingo, já era demais!
Levantei-me e fui verificar. Não é que os dois ainda dormiam em seu quarto, embora a discussão continuasse do lado de fora da casa? Aí descobri que era uma gracinha do Jô. Aprendera a imitar as pendengas dos dois donos e ficava dando seu espetáculo. Sei que vocês ficaram curiosos e querem saber: quem era o Jô? Vamos lá.
Como eu já havia contado em história anterior, tivemos no sítio uma arara vermelha que botava ovos, mas não conseguia filhotes. É que não havia um araro na história. Pois foi aí que meu pai resolveu procurar um araro macho.
Desculpem-me por usar o termo araro, mas, se político pode fazer com que palavras invariáveis variem para definir seu alto cargo na república, vejo-me no direito de também fazer a variação e chamar a arara de sexo masculino de araro.
Bom, isto aconteceu há mais de trinta anos e não sei se meu pai comprou ou se ganhou o araro, um lindo araro azul e amarelo que ganhou o nome de Jô. E ninguém sabia o estado civil dele. Se era solteiro, casado, viúvo, "tico-tico no fubá", ou sei lá o quê. Mas, macho é macho e deixa prá lá.
O Jô, como a arara, ficava solto. Tinha seu lugar de dormir, onde também lhe era colocada a comida, mas passava o dia circulando pelas árvores próximas à casa. A arara também vivia solta, mas, ao contrário do araro, preferia ficar correndo atrás das mulheres para bicar seus calcanhares. Tanto que, uma vez, sai correndo ao ouvir uns berros : "Tirem essa águia daqui!". Era minha irmã, refugiada em cima de uma mesa, enquanto a arara, dançando pelo chão e em altos brados, parecia dizer: "Vem que quero morder seu pé!". Cena inesquecível mas voltemos ao assunto principal: a união do araro com a arara.
Surgiu um problema. E esse problema se resumia em o Jô não chegar perto da Arara. Sim, com letra maiúscula. Porque Arara era o nome da arara. Pode não ser muito original mas era esse o nome dela: Arara.
Como não acontecia o, digamos assim, casamento, procurei saber o que ocorria. E apareceram várias teorias. Mas, as principais eram as seguintes.
A primeira teoria dizia que araras diferentes não cruzavam. E a Arara era uma arara vermelha e o Jô um araro azul e amarelo. Uma boa teoria!
A segunda teoria dizia que as araras eram monogâmicas e, quando viúvas (ou viúvos) ou divorciadas (divorciados), não casavam nunca mais. Não entendi se por arrependimento ou por convicção. Como os dois chegaram adultos e não conhecíamos suas vidas pregressas, talvez um dos dois (ou ambos) fosse viúvo. Ou divorciado. Outra teoria bastante interessante!
Enfim, fosse qual fosse a razão, um não se aproximava do outro. E, assim, não aconteciam os ararinhos e as ararinhas.
Teorias essas que, um dia, caíram por terra ao surgir, e se confirmar, uma terceira e inimaginável teoria.
Vejam o que aconteceu: o Jô botou um ovo! Foi aí que percebemos: o Jô não era Jô. O Jô era Já!
E tenho dito!
Na foto, o início do namoro de meus pais, em 1935, em São Carlos/SP.

Um comentário:

Magui disse...

Excelente texto ! Eu ri demais. Parabéns.