Era ali por 1976, mais ou menos, mês de novembro, época de exposição do Círculo Paulista de Orquidófilos. Qualquer publicidade era desejável e bem vinda.
Alguém conseguiu que fôssemos entrevistados no programa da Clarice Amaral, na TV Gazeta, sem pagamento algum à sua produção! Apesar de ter uma audiência minúscula, essas coisas aconteciam. Mesmo porque, eles tinham de viver, não é mesmo? E lá fomos nós, o João Vaz da Rocha e eu, numa sexta feira à tarde, para a entrevista com a Clarice Amaral.
A Clarice tinha um programa assim como o da Hebe Camargo. Eu não diria que a Clarice fosse uma precursora jurássica da Hebe Camargo. Nessa época, a Hebe já era velha.
A TV Gazeta estava instalada no mesmo prédio que o Cursinho Objetivo, na Avenida Paulista.
Agora, imaginem o Vazinho, com seu metro e meio de altura e eu, cada um com meia dúzia de vasos de orquídeas floridas pendurados por seus suspensórios metálicos em nossos dedos das mãos, indo do estacionamento onde ficara o carro até o edifício, subindo aquelas escadarias no meio da estudantada espantada ("De onde será que vieram esses dois doidos enternados e engravatados carregando essas plantas?") e, pior de tudo, entrando com toda essa tralha em elevadores lotados!
Chegamos ao estúdio. Pessoal, nunca vi tanto cabo elétrico correndo pelo chão, para todos os lados. Um lugar muito bom para a atuação da dupla alemã Kurtz e Circuitz. Então era por isso que tanta emissora de televisão pegava fogo, naquela época!
Um produtor veio nos receber e sua primeira pergunta foi sobre as plantas: se eram presente para a equipe de produção. Toca explicar que não podia ser. Eram plantas de expositores, especialmente levadas para enfeitar o programa da Clarice Amaral. Aí, pediram-me que redigisse as perguntas que a Clarice iria fazer para mim (o Vaz da Rocha não apareceria. Não havia condições de duas pessoas serem apresentadas ao mesmo tempo. Falta de espaço). Redigi as perguntas.
Estava sendo preparado o "palco" para o programa. Palco era uma forma de falar, afinal, não tinha público. Era um salão, com um cortinado no fundo, fazendo "papel" de cenário. Um sofá para duas pessoas e meia (acho que a Clarice não queria ficar encostada em mim. Eu, pelo menos, não queria ficar encostado nela! Mesmo porque, a Nina estava em casa assistindo o programa. E, a um metro do sofá, uma mesa, sobre a qual estenderam uma toalha e nós acomodamos as orquídeas. Vocês já perceberam que o programa era "ao vivo", não é mesmo? Não lembro se nessa época já existia o video-tape, mas era querer demais da TV Gazeta. As câmeras... Melhor dizendo: a câmera era daquelas antigonas, maior que uma caixa de papelão de embalagem de computador! Eu disse "A" câmera porque era uma só. Parece que as demais estavam quebradas. Ao menos me explicaram assim.
Começa o programa. A Clarice faz suas saudações aos telespectadores paulistanos (a Nina, minha sogra, meus filhos, e mais uma meia dúzia de orquidófilos previamente avisados), e anuncia a primeira entrevista da tarde: o presidente do Círculo Paulista de Orquidófilos. O câmera-man desviou a câmera da cara dela para a minha, que vinha entrando no "palco". Sentei-me, e o câmera-man desviou a objetiva para ela. E começou a entrevista.
Aqui, interrompo um pouco, para descrever melhor o ambiente. Quase dezembro, calor de rachar. Um salão fechado sem qualquer refrigeração. A única coisa que amenizava ligeiramente o calor era um ventilador, no chão, na nossa frente, em local onde o câmera-man não o derrubasse. O ventilador era desses tipo "prá onde eu olho?". Sabem como é? Ele vai ventilando (vrrrrrrrruuuuuuuuummmmm) e deslocando suas hélices para direita, para a esquerda, para a direita, para a esquerda, incessantemente, enquanto não enguiça. E aquele não enguiçou. O câmera-man fazia milagres. Focalizava a Clarice, me focalizava, voltava na Clarice, ia até a mesa de orquídeas, voltava na Clarice...
E a Clarice? Bom, ela ainda não havia terminado de se compor, quando o programa precisou ir para "o ar". Acredito que não havia maquiadores, pois ela mesma estava se colocando os cílios postiços. Então, a coisa funcionava assim: o câmera-man fixava-se nela. Ela, brilhantemente, me fazia uma pergunta bem inteligente (que eu mesmo havia redigido previamente). O câmera-man vinha com o foco na minha direção e eu começava a responder. Nesse meio tempo, a Clarice jogava a ficha que havia acabado de ler para longe da visão, pegava um espelho de mão e ficava tentando ajeitar seus cílios (postiços). E eu lá respondendo. O câmera-man se enchia (desculpem o termo) da minha cara, voltava a câmera na direção dela, mas passando por cima, mostrando detalhes do cortinado (vocês não imaginam que ele fosse mostrar a Clarice grudando cílios postiços nos olhos, né?) e descendo para as orquídeas. Como eram poucas, logo ele voltava, passando sobre a cabeça dela, novamente, e me fixando. Quando eu terminava de falar, ela percebia que eu já havia respondido e punha seu espelho de lado e pegava mais uma ficha, para poder me fazer outra inteligente pergunta.
Mas, gente, tudo ali era de uma precariedade total. O chão, acho que não via uma vassoura desde a época do descobrimento do Brasil (se é que os índios varriam chão. Se não varriam, então nunca fora varrido!).
E foi aí que aconteceu o desastre. Lembram do ventilador vrrrrrrruuuuummmmmrando de um lado para outro? Pois é. Numa das idas e vindas do ventilador, ele resolve jogar um cisco bem dentro de um olho da Clarice Amaral. Gente, já vi mulher ficar brava! Mas, como aquela, não! Ela se contorcia tentando enxergar o cisco com seu espelho, bem seguro em uma das mãos. Com a outra mão, ela coçava o olho. Mais a outra mão também coçando o olho, e com cuidado para não derrubar de vez os cílios. A outra mão, gesticulava contra tudo e contra todos. E mais a outra mão... Numa hora dessas, as mãos se multiplicam.
E eu lá, respondendo à pergunta. O câmera-man não mais me tirou do foco. E ele era louco? A resposta chegou ao fim. Só que ela não se preparou com outra ficha (ela nem sabia mais onde estava!), a fim de me dirigir outra inteligente pergunta. Agora, era eu sozinho contra o mundo. Continuei falando. Eu mesmo me fiz a pergunta seguinte e respondi. E, assim, fui até o final da entrevista, afinal, ela não tinha mais condições de me perguntar nada. Quando ela, finalmente, conseguiu se recompor um pouco, ela agradeceu minha presença (nessa hora, timidamente, o câmera-man voltara a focalizá-la) e encerrou a entrevista. E a TV Gazeta jogou "os comerciais". A mulher saltou do sofá, como se trinta e oito molas tivessem se soltado, ao mesmo tempo, bem em baixo do... você sabem!... dela. O Vaz da Rocha e eu percebemos que, ali, naquela hora, provavelmente ocorressem agressões físicas. Tratamos de pegar as orquídeas e sair correndo...
Abração
JF
(extraído de lista NESO, publicado em 09/01/2006)
2 comentários:
HAHAHA... engraçado que, por ser criança, a aparição do meu pai na TV marcou tanto, mas taaaaaanto, que eu achava que tinham sido mais vezes!!!
Enfim, agora, trinta anos depois (ixe, cê é VÉIO MESMO, hem???), fico imaginando a Clarice Amaral com o visual da época, olho cheio de rímel e delineador, o cabelo todo armadão, tirando cisco do olho...
Beijão, espero que agora você poste direto, viu????
Lu.
Seu J.F...
Por favor, mas por favor mesmooooooooo... publique mais suas histórias engraçadíssimas. Eu já era fã da Lu Farias, agora tenho mais um ilustre membro da família para ler e acompanhar os "causos" para lá de divertidos. Um abraço
Natacha
Postar um comentário