Gentes, em matéria de jogar futebol, eu fui um perfeito perna de pau. Mesmo assim, até que tive meus momentos de glória, convocado para o “escrete” da minha turma, na época do curso colegial, no Colégio São Luiz, em São Paulo.
Nossa turma de terceiro ano clássico era bem pequena, 21 alunos. Assim, as possibilidades de formar um time não eram das melhores. Mas, tínhamos de participar do campeonato entre as diversas séries do curso colegial: três turmas do curso clássico e mais três turmas do curso científico. Porém, se éramos poucos, éramos aguerridos. Assim, tirados os onze que compunham a seleção, os demais dez formavam uma torcida que, hoje em dia, rivalizaria com qualquer grande torcida organizada. Os dez botavam os pulmões pela goela a fora. E, na hora de xingar juiz... Os padres que ficassem longe para não aprenderem palavrões novos!
Mas, vamos ao time propriamente dito. Nós tínhamos em nosso time titular alguns excelentes jogadores, goleadores mesmo! Mas, para completar, também tínhamos algumas figuras exóticas com lugar garantido entre os onze. A começar do goleiro, o Carneiro.
O Carneiro tinha uma boa estatura para goleiro: um metro e oitenta e tantos e magro. O problema é que ele era míope e, na hora de jogar, tirava os óculos e não via mais nada. Assim, quando ele pressentia que a bola vinha na sua direção, começava a agitar os braços e a saltitar de um lado pro outro, feito uma aranha. Se desse sorte, a bola acabava batendo nele e não entrava. Se desse azar... Bem, era gol do adversário.
Mas, para garantir o Carneiro, tínhamos uma linha de zagueiros intransponível. Nenhum deles era, propriamente, um bom jogador. Mas eram eficientes. E como! A bola passava por eles, mas o adversário morria por ali mesmo. Era uma linha composta por três zagueiros. O Cirão, alcunhado “Porta de Garagem”, com mais de metro e noventa de altura e dois metros de largura. Quando ele caía em cima de alguém, a pessoa desaparecia enterrada no gramado sem grama do campo. Sorte que isso não ocorria sempre. Era só quando a bola e o jogador vinham pelo lado dele. O outro era o Cássio, super míope que jogava sem óculos. Quando percebia algum movimento do seu lado, chutava. Lógico que ele chutava sempre o que mais lhe chamava a atenção, coincidentemente o jogador adversário. Que já caia sentado direto no banquinho do lado de fora da enfermaria. O terceiro era o “Luiz, o Forte”, halterofilista com sessenta e dois centímetros de circunferência de cintura e metro e trinta da ponta de um ombro até a ponta do outro ombro, sendo que, nesse metro e trinta, repousavam quilos e mais quilos de puro músculo. Quando o movimento era prá cima dele, o Luiz dava uma ombrada no adversário que ia cair a quinze metros de distância.
E era assim que jogador nenhum chegava junto ao nosso gol. O perigo eram as bolas que passavam sozinhas por entre as pernas dos zagueiros e que eram muitas. Para estas, tínhamos um jogador que ficava fixo, atrás dos zagueiros, com a função de rebatê-las para frente, pois não dava para apenas confiar no Carneiro. E, algumas vezes, quando um dos onze titulares faltava, costumavam me escalar nessa posição. É verdade que eu também tirava meus óculos de míope, mas, como nunca fui tão míope assim, até que dava para desempenhar a função com um certo grau de acertos. Acho que uns sete a oito por cento de acertos.
Uma ocasião, como era costumeiro e ocorria muitas vezes dentro de um único jogo, o juiz marcou uma falta contra nós pelo simples fato de o jogador adversário ter ficado estatelado no chão, na frente de nossa zaga, quase que com fratura exposta da coluna. Apesar da intervenção de nossa torcida indignada, que dirigia impropérios à senhora mãe do juiz, inclusive ameaçando invadir o campo, a falta foi batida. No centro do gol, agitando os braços, lá estava o Carneiro, na tentativa de “fechar” o gol. Mas, como ele não era inteiramente confiável, como já disse, e o gol fosse enorme, sempre tinha um jogador de cada lado dele, embaixo da trave, para qualquer eventualidade. E, assim, dessa vez, lá estava eu cobrindo o primeiro terço de espaço do gol, do lado esquerdo. E a bola veio na minha direção, bem na altura de minha testa e eu me preparei para cabecear. Só que, naquele time, ninguém tinha confiança em ninguém. E o Cirão “Porta de Garagem” resolveu entrar na disputa e tirar a bola da direção do gol dando uma “bicicleta”.
Gentes, vocês não imaginam o que é receber uma bolada bem no meio da testa, mas suficiente para desviá-la para bem longe do gol, e, ao mesmo tempo, no resto da cara, levar um coice de um sapato masculino tamanho 54, bico largo, sendo que o sapato estava recheado com o respectivo pé que, sozinho, sem o tornozelo, pesava 50 quilos. Só sei que fui carregado para a enfermaria, para fazer companhia aos adversários que lá se encontravam. Ainda bem que minha cara estava tão irreconhecível que eles não perceberam quem era, caso contrário seria massacrado..
E, a partir desse fato, encerrei minha carreira futebolística. Nunca mais toquei em uma bola de futebol. Ruim? Nem tanto, pois livrei o técnico Aymoré Moreira de um problemão, quando ele relacionou os 22 jogadores para a Copa do Mundo de 62, no Chile. Afinal, para me convocar, ele teria de deixar alguém de fora. Ou seja, o Djalma Santos teria ficado fora da seleção. Ou, talvez, o Nilton Santos. Particularmente, em preferiria ficar com a posição do Mauro Ramos, que havia acabado de trocar o meu São Paulo FC pelo Santos. De qualquer forma, sei que o goleiro Gilmar ficaria muito mais tranquilo comigo por ali, vigiando o gol. Mas, como às vezes a sorte acaba intervindo, mesmo eu não estando lá, os meninos do Brasil conseguiram trazer para o Brasil o sonhado caneco do Bi-Mundial e tudo acabou dando certo. Felizmente!
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Neste ano em que minha turma de curso Clássico está comemorndo os 50 anos de formatura, quero render minhas homenagens ao grande amigo Ciro Penna Cesar Dias, o Cirão, que já nos deixou e hoje está alegrando o ambiente lá no Céu. Até um dia, Cirão!
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Gentes,
Não está dando para aguentar esse cão beagle, o Ed Wood. Só porque ganhou um "Selo de Qualidade", lá no blogue dele, fica olhando para minha cara e dando essa rizadinha irônica, como se dissesse: "Eu ganhei! Eu ganhei! Você não ganhou! rárárárárárárá!!!"
Vão lá dar uma olhada e depois me digam se não tenho razão para dizer que ele não passa de um beagle encardido, metido e besta! O endereço do blogue dele é
Abração é até à próxima.
JF
8 comentários:
"jota", maravilhosa crônica, relato divertidíssimo. Bons tempos não? Na nossa época tinha o Clássico, Científico, o Normal para as meninas. Agora, jogar com o Carneiro, o Cirão, de grata lembrança, imagino que de repente a vitória nem era algo tão substancial, a alegria da turma acho que era tão ou mais importante, não? No próximo jogo seria bom montar um Hospital de Campanha...hehe...Grande abraço amigo, finalzão de semana.
Nem me fale em jogar futebol não entendendo nada do negócio.Eu tb me aventurei como quarto zagueiro pois sem saber chutar valia os chutões no tranco.Mesmo assim eu tb só tive uma partida!!!
Boas lembranças , saudades!
Que delícia de post... Memórias e memórias futibolísticas, assim , nunca tive. Nem beque de time de toto eu fui, kkkkkk
Muitas lembranças vieram pra mim também! Fiz científico mas tínhamos que jogar queimada, nas aulas de educação física. Como eu uso óculos desde os 12 anos, e tinha ordens taxativas de não quebrá-los, que eram caros e é claro, dinheiro nunca nasceu em árvores e coisa e tal, eu jogava sem eles. Sorte que eu era ótima em fugir da bola, porque além de míope tinha ( tenho até hoje) um medo pânico de bolada. Os times disputavam meu "passe" a tapas, na hora da escolha. Acho que foi a única vez na vida em que me senti "fazendo a diferença" em algum esporte, hehehe...
Um grande abraço!
Nossa, que time, hein! Quantas lembranças... Quanta pancada, hehe!
...
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J.F. Bons tempos!! Cada um tinha o seu "defeito" e mesmo assim formavam uma "equipe". Futebol era um pretexto para brincar com a bola, distração de garotos e a prática do esporte ficava em segundo plano. Bom mesmo era reunir a rapaziada e curtir um com a cara do outro.
O Futebol anda tão violento que deixou de ser brincadeira para ser "disputa". O futebol profissional "arte" esquecido em prol da ganancia, importando somente o "resultado".
Vou lá ver o Ed Wood! Saudade daquele cachorro!! (rs*)
Beijus,
Rá! Rá! Rá!...
Conta mais histórias, conta mais!
Eu fico imaginando se fosse escalado para enfrentar esse esquadrão de touperias cegas, mas de chute rápido e potente de um tigre. Acho que minhas canelinhas de vareta (na época...) iam servir de matéria-prima para a indústria de palitos!
Muito bom! Foi pena vocêr não ter ido pro Chile. Eu teria a sua figurinha carimbada no meu álbum.
Carpe diem.
apesar de não entender muito de futebol,compreendi muito bem sua história e ri bastante das situações colocadas. Gostei dos posts, muito bons.O do detetive no motel, pequeno texto porém recheado de bom humor. Faz bem o meu gênero. Parabéns!Fique a vontade para visitar e comentar no pensamento virtual. Adoro escrever,mas não disponho de muito tempo.Um abraço!
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