POR QUE DÓI TANTO?
Por que a despedida dói tanto na gente?
Realmente eu me "achava" preparada. Minha mãe, sofrendo Mal-de-Parkinson há mais de vinte anos, vinha definhando a cada dia. Por causa do avançado da doença, já não tinha mais movimentos - rigidez muscular. Mas não era tão problema assim: magrinha como estava, carregávamos no colo.
E assim ia, teve dias bem piores, sem lucidez, sem "presença". Quantas vezes ficava sem manifestar, nem mesmo no olhar, um sinal de vida. E depois, lá de dentro, vinha um sorriso, um pedido de café, que ela adorava, uma reclamação que a comida estava demorando, tinha fome.
Não foi a "melhora para a morte", pois se via definhar mais e mais, o quadro complicava. Ulcerações de contato por longo tempo deitada, pulmão juntando líquido, respiração curta, sufocando. Mas estava mais lúcida, mais presente. Cada vez que a colocava na cama, começávamos juntas uma prece: balbuciava o "Pai Nosso..." esperava eu recitar, e concluía no "Amém"!.
Meu maior medo era que se acabasse no meio da noite, agonizando sozinha. Eu já não dormia, cochilava atenta, acordava assustada. De manhã, olhava desde a porta do meu quarto: tinha um movimento? sinal de respiração? E andava a passos leves, rápidos e angustiados, até tocar-lhe a face, sentir o calor nas mãos.
Após um rápido lanche para o Apolo e despachá-lo para a escola, ia levantá-la. A sua toalete, calmamente. O cabelo pouco, fino e ralo, branquinho em prata, penteado e preso. O café da manhã difícil, com a tosse de uma semana, cansando-a à exaustão. De volta à cama, colchão d'água para dar mais conforto, e difícil descanso com a tosse incômoda, o ar faltando, o sufoco .
Foi a manhã, e vamos para a mesa. Almoço pouco, comia como um passarinho. Comeu como sempre, diria até, com gosto. E então, desfalece na cadeira. Desmaio, a Mery, que me ajuda a cuidar dela, diz. Não, eu afirmo, ela nunca desmaiou. Colocamos na cama, pálida. Seguro seu pescoço com ambas as mãos, ergo a cabeça facilitando a passagem do ar e peço: "respire, força, respire"... E ouço o último som, o último suspiro. O corpo inerte...
Sabe por que dói tanto? Porque nunca ninguém te disse: amparar a mãe, na hora de sua morte, é a tarefa mais difícil que qualquer filho tenha que realizar um dia... Porque ela descansou, não foi sozinha à noite, mas foi ali, na minha frente, cabeça ampara pelas minhas mãos. E assim, vc sem poder fazer mais nada, vc não faz nada, vc sente que pôxa, ela foi, e eu, o que fiz? eu, o que fiz, se ela foi...
Revi hoje o Dr. Siderley, médico da familia, amigo que esteve no momento seguinte atendendo nosso chamado, e conversamos. Essa dor, esta angústia, este peso do "nada fiz" foi aliviado pelas palavras dele: o último sopro é o momento exato em que a alma se liberta, deixa o corpo, vira luz. E neste momento, na partida, ela não estava só.
Então, agora, ela é LUZ!
Apolônia
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Recebi esse texto de uma amiga muito querida, a Apolonia Grade, uma bióloga que mora lá no norte de MT, divisa com o Pará, a propósito da morte de sua mãe, ocorrida há poucos dias. Me emocionei e derramei algumas lágrimas.
A Apolonia é a autora da foto de minha mãe que correu a Internet, há pouco mais de um ano quando D. Amélia "se foi". É a foto que estampei aqui no Blog, dias atrás.
Repassei esse texto da Apo também para as listas de discussão Orquídeas-Mundo Orquidófilo, Cactos e Suculentas, Mundo das Bromélias, Amantes da Jardinagem e NESO.
Abração.
8 comentários:
Que lindo texto J.F.
Que bom que a mãe dela morreu amparada, melhor que sozinha no meio da noite, estou certa?
Boa semana! Bjocks
Meu pai também tem parkinson, e eu sei bem como é complicado!
Moro só com ele a 6 anos, e não é fácil lidar com certas coisas, ele ainda está bem, ele anda, ele come sozinho, pinta os quadros dele, mas por causa da doença, ele se tornou muito teimoso e acomodado com certas situações. E é complicado fazer ele mudar de opinião!
É triste saber que, não tem cura. E com o passar do tempo mesmo com os remédios pode piorar bastante, mas a gente vai levando!
Beijos
Que texto lindo. Chorei, também. Pensei no passamento de minha Mãe e meu Pai. Que coisa, a Dora escreveu sobre esse tema lá no cantinho dela. Tem link lá no meu espaço. Bjkª. Elza
Ah, amigo... Estou com minha mãe no hospital. Li este texto de sua amiga e meus olhos se embaçaram. Agora minha mãe está fora de perigo, mas teve dias em que temi por isso que a sua amiga passou. É muito triste ver a mãezinha da gente partir. minha mãe escapou dessa. mas um dia, bem sei, ela não voltará comigo. E que tristeza será esse momento... Acho melhor até parar de escrever sobre isso. Ando um bezerro chorão. Carpe Diem. Aproveite o dia e a vida.
JF
Acho que sua amiga tem razão e nenhum de nós se prepara para isso. Falo pelo meu caso, com meu pai vários anos doentes.
Quando se foi, foi um choque. Talvez tenha sido bom para ele, mas ficou um imenso vazio.
Querido vô do EEEPA!, gosto de lembrar de você assim.
Obrigado pelo cometario, acho que a pessoa tem que se sentir bonit, e admitir isso, é bom para nós mesmo, mas como você disse: reconhecimento é bom.
Pra mim nunca fez mal :)
E novamente concordo sobre amizade, acho que meus amigos vão permanecer ao meu lado, pelo menos os que são realmente amigos, luto com eles ao meu lado sempre e sou feliz por tê-los, e obrigado psobre o cabelo,
Sobre perder alguém, que foi a mensagem que você está "repassando", é dificil perder alguém. Meu irmão ficou doente 27 anos, minha mãe sabia que um dia ele iria falacer, mas quando aconteceu, foi o mesmo de ele ter morrido de uma noite para outra, ninguém nunca está preparado, pelo menos é o que eu acho!
Novamente obrigada pelo comentario
Se cuida
Tudo de Bom.
Beijos e ótimo final de semana
Meu amigo,
vc me disse que postaria meu escrito sobre a despedida da minha mãe, mas eu ainda não tinha passado aqui para ver. Gosto muito dos seus textos, e sinto-me feliz por encontrar o meu aqui, mas quer saber? Meus olhos enchem-se de lágrimas... Obrigada por vc, por Nina...obrigada pelo carinho,pela amizade, eu os adoro.
Beijos
Apolônia
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